terça-feira, 11 de junho de 2024

Conversando sobre artes marciais japonesas - Parte 12

Onegaishimasu,

(^_^)

Falarei hoje sobre o local de treinamento e suas partes.

O nome da sala usada para o treinamento das artes marciais japonesas é chamada de dōjō.

Traduzindo literalmente os ideogramas que formam a palavra dōjō temos:
  • 道 DŌ [どう] (dô): caminho, via;
  • 場 JŌ [じょう] (djô): localização, lugar. 
Traduções literais possíveis:
  • “Caminho” + “Lugar”;
  • “Via” + “Lugar”.
Saindo do literal, mas mantendo a ideia do termo dōjō temos:
  • “Lugar [onde se pratica o] Caminho”;
  • “Lugar [onde se aprende o] Caminho”;
  • “Lugar [onde se ensina o] Caminho”.
Ou ainda:
  • “Lugar [onde se pratica a] Via”;
  • “Lugar [onde se aprende a] Via”;
  • “Lugar [onde se ensina a] Via”.
Quando procuramos o significado de dōjō, nas mais diversas fontes de pesquisas, a informação que com mais frequência encontramos é que 
“O termo foi emprestado do “Zen Budismo”, significando “lugar de iluminação”, onde os monges praticam a meditação, a concentração, a respiração, os exercícios físicos e outros mais.” (Diversos Sites Internet)
Esta explicação encontra-se em diversos Sites da Internet, muitos mesmo... enfim uma série de “copiar e colar” sem fim... Sendo assim, e na quase total ausência de uma explicação plausível, faz-se necessária aqui uma pequena abordagem sobre esta questão, afim de compreender aonde surge esta ideia e também para analisar se o sentido original da palavra está vinculado ao Karatedō[1]... ou não...

A palavra dōjō origina-se do sânscrito “Bodhimanda”, palavra que, por sua vez, é o nome dado ao lugar onde, Siddhārtha Gautama, o Buddha, alcançou a iluminação, e por isso inicialmente indicava um ‘lugar de’ prática budista.

Contudo, no Japão, por volta da Era Edo[2] (1603-1868), o termo deixou de designar apenas um ‘lugar de’ prática budista e passou também a indicar um ‘lugar de’ prática de artes marciais, entre outras coisas.

Temos, então, que ter o extremo cuidado para não nos perdermos em divagações, pois embora devido a sua origem o termo dōjō esteja vinculado a “um lugar de prática budista” e que ideia original, de fato, indique o “lugar da iluminação” (de Siddhārtha Gautama, o Buddha) em nosso caso específico este lugar (Jō) e este caminho (Dō), da palavra dōjō, apontam pura e simplesmente para um ‘lugar de’ prática do 'caminho', ou seja, nada mais é que um espaço físico, uma sala, um salão, onde se enfatiza a prática do Karate[3].

A estrutura física de um dōjō está dividido em:


上座 KAMIZA [かみざ] (cámidzá): "Assento superior";
下座 SHIMOZA [しもざ] (ximôdzá): "Assento inferior";
上席 JŌSEKI [じょうせき] (djôssêqui): "Lugar superior";
下席 SHIMOZEKI [しもぜき] (ximôdzêqui): "Lugar inferior".

A tradução do nome de cada uma das partes do dōjō praticamente define a sua função, porém para que não fique nenhuma dúvida... façamos uma pequena descrição de cada uma das partes...

O assento superior, ou kamiza, é o lugar onde se sentam o professor e seus convidados. Talvez não seja do conhecimento geral que a expressão kamiza, dentro do contexto marcial, se deve ao fato de que antigamente, nos dōjō, a parte da sala onde o mestre sentava, ficava um pouco mais elevada (estruturalmente falando) do que a sala em si, daí o termo “assento superior” (kamiza).

O assento inferior, ou shimoza, é o lugar onde os alunos sentam-se. O aluno mais graduado senta-se mais à esquerda do professor. O aluno menos graduado senta-se mais à direita do professor. Lembre-se que o professor fica de frente para turma, então as direções, direita e esquerda, mencionadas devem ser consideradas a partir desta perspectiva.

O lugar superior, ou jōseki, é o local destinado aos "professor(es) auxiliar(es)" ou, ainda para algum aluno selecionado para ajudar a demonstrar alguma técnica com o professor.

O lugar inferior, ou shimozeki, está destinado aos alunos menos graduados, e somente é usado quando não houver mais espaço no shimoza.


Em nossos dias, vemos por aí as mais diversas formações para o início das aulas. Muitas vezes a disposição dos alunos é feita de forma totalmente ilógica, como, por exemplo, quando se coloca o aluno mais graduado no lugar inferior, demonstrando claramente o desconhecimento das partes que compõem o dōjō e de suas funções.

De forma simples, e sem grande ginástica mental, praticantes com graduações superiores ficam no lugar superior (jōseki) e alunos com graduações inferiores ficam no lugar inferior (shimozeki).
“Há muito tempo atrás o mestre Aragão de Lisboa, Portugal, disse algo que faz todo o sentido: "Em Karatedō não há enganos: ou é ou não é, ou se sabe ou não se sabe." 
Tudo que se faz em Karatedō tem a sua razão de ser e, nesta mesma linha de pensamento, tudo também tem a sua explicação lógica. Contudo, muitas vezes a informação a respeito de algumas dúvidas específicas a respeito do Karatedō não se encontra acessível imediatamente, mas isso não quer dizer que a informação ou a resposta para estas dúvidas não existam.” (GOULART, 2006; 2011)
Na língua japonesa, nihongo[4], existem muitas palavras que possuem a mesma pronúncia, porém com traduções completamente diferentes. Por que estou dizendo isso? Porque quando se estuda as partes do dōjō se depara com um destes casos, que é a palavra “kamiza”.

Há dois grupos de kanji[5] que podem ser lidos “kamiza” e que tem causado muita confusão em nível de transmissão de conhecimento, são eles: 

上座 KAMIZA [かみざ] (cámidzá): "Assento superior"; e
神座 KAMIZA [かみざ] (cámidzá): "Local dos deuses". 

Fazendo uma pequena busca por informações sobre o termo “kamiza” na Internet verifiquei rapidamente que a maioria esmagadora das pessoas que tratam sobre tema, desconhecem os ideogramas e a tradução “assento superior” e, por isso, levam (ou elevam) suas teorias para o campo da mística, do divino, da transcendência... Sendo assim, e embora a palavra kamiza, dependendo dos ideogramas empregados, possa ser traduzida, de fato, como “Local dos deuses”, não é este o caso nas artes marciais...
“A base para a difusão do "misticismo" e "transcendência" no mundo marcial reside na falta de pesquisa, pois é muito mais fácil inventar uma "resposta" do que dizer "não sei, mas vou pesquisar". Pesquisar, estudar implica "trabalho" e todo o ser humano tende a usar a "lei do menor esforço". Esta “lei” não é um fenômeno recente e definitivamente não vai acabar por aqui, contudo, é necessário que saibamos sobre o que estamos falando antes de afirmar coisas que não têm qualquer fundamento.” (GOULART, 2011)
Resumindo e esclarecendo... pronúncia igual, mas ideogramas e significados diferentes... um relacionado a prática do Karatedō e o outro não. Na realidade, o termo 神座, “Local dos deuses”, tem relação com a religião Xintoísta (神道, o Shintō... "A via dos deuses").

A falta de conhecimento sobre o nihongo, os kanji e os kana[6]... sempre levou, leva e levará os desprevenidos a erros de contexto e equívocos de interpretação. É justamente devido a este problema que é “normal” vermos instrutores, professores e mestres confundindo muitos conceitos (seja por desconhecimento, acomodação ou falta de estudo mesmo) e passando a seus alunos informações equivocadas sobre muitos dos termos japoneses utilizados no Karatedō.
“No mundo das artes marciais japonesas praticadas no ocidente, a quantidade de termos japoneses utilizada é impressionante. Adicione a este fato a falta de pesquisa e têm-se alguns conceitos, traduções e interpretações erradas sendo passadas de geração em geração. 
(...) Um problema muito comum quando ocidentais vão escrever livros sobre artes marciais, como não têm conhecimento sobre ideogramas, pegam a primeira tradução que aparece e pronto, lá está uma nova tradução em uma nova publicação. 
Portanto, depende unicamente de si, instrutor de artes marciais japonesas, ensinar, orientar e instruir os seus alunos com base na sua pesquisa, na apresentação de informações fidedignas e na sua própria vivência particular. 
Não é vergonha não saber; vergonha é criar mitos, falsas expectativas, interpretações particulares de determinados fatos culturais ou históricos para mascarar a falta de conhecimento efetivo. (...) Vergonha é contentarmo-nos com o pouco que sabemos.” (GOULART, 2011)
Então, para que o dōjō seja, de fato, o “Lugar [onde se ensina o] Caminho”, no caso específico dos Karate-ka, o “Lugar [onde se ensina o] Caminho” do Karate... Temos que encará-lo com um “Lugar [onde se pratica e se aprende o] Caminho” de forma séria e correta... 

Comecemos pelo básico que é a "pesquisa (e a) apresentação de informações fidedignas".

Denis Andretta, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
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Referências:

AGUIAR, José. Karatê Shito-ryu. Os grandes mestres, os katas, entrevistas. Edição do autor, São Paulo, 2008. 1ª edição.

ARAKAKI, Hélio. Atitude Karateka para a vida. O Karate-dô no Caminho para o sucesso e a realização. Graficolor Miti/Grafiqx, Campo Grande/MS, 2009.

BERNARDO, Alexandre Pinheiro; at al. História da Educação Física: Karatedō. Rede Metodista de Educação do Sul (IPA). Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2007.

GOULART, Joséverson. Dōjō. Disponível em: http://judoforum.com/blog/joseverson/index.php. Acesso em 20 de Novembro de 2006.

GOULART, Joséverson. Karatedō Nyūmon: Introdução ao Caminho das Mãos Vazias. Disponível em: http://judoforum.com/blog/joseverson/index.php. Acesso em 20 de Novembro de 2006.

GOULART, Joséverson. As fases do conhecimento. Jōji Monogatari. Disponível em: http://jojimonogatari.blogspot.com. Acesso em: 27 de Novembro de 2011.

GOULART, Joséverson. 26. 道場 O Dōjō. Jōji Monogatari. Disponível em: http://jojimonogatari.blogspot.com. Acesso em: 27 de Novembro de 2011.

GOULART, Joséverson. Dōjō. Disponível em: http://groups.google.com/group/andretta-no-kenkyushitsu/. Acesso em: 2 de Fevereiro de 2011.

HERRIGEL, Eugen; A arte cavalheiresca do arqueiro Zen. Editora Pensamento, São Paulo, Edição 23, 2009.

J-TALK NIHONGO. Japanese Dictionary: Termos diversos. Disponível em: http://nihongo.j-talk.com/search/index.php. Acesso em: ‎22‎ de ‎Outubro‎ de ‎2011.

J-TALK NIHONGO. Kanji Converte: Kanji Diversos. Disponível em: http://nihongo.j-talk.com/. Acesso em: ‎22‎ de ‎Outubro‎ de ‎2011.

REID, Howard; CROUCHER, Michael. O Caminho do Guerreiro. O paradoxo das artes marciais. Editora Cultrix, São Paulo, 2004.

ROMAJI.ORG. Rōmaji Translator (Translate japanese text (Kanji,Hiragana,Katakana) into Rōmaji or Hiragana). Disponível em: . Acesso em: 1 de Abril de 2009.

SOARES, José Grácio Gomes. Budo no jiten. Dicionário de Artes Marciais Japonesas. Icone Editora, São Paulo, 2007.

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Notas:

[1] Karatedō [空手道] – Via, Caminho das Mãos Vazias. 
[2] Edo-jidai [江戸時代] – Era Edo, também conhecido como Tokugawa-jidai (Era Tokugawa), é um período da história do Japão que foi governado pelos Shōgun (Generais) da família Tokugawa, desde 24 de Março de 1603 até 3 de Maio de 1868.
[3] Karate [空手] – Mãos Vazias. 
[4] Nihongo [日本語] – Língua japonesa. 
[5] Kanji [漢字] – Caracteres chineses. 
[6] Kana [仮名] – Escrita silábica japonesa.

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