terça-feira, 21 de maio de 2024

Conversando sobre artes marciais japonesas - Parte 11

Onegaishimasu!

(^_^)

No ocidente, em regra geral, em se tratando da transmissão de conhecimento, existem muitos conceitos que causam bastante confusão no meio marcial. A maioria dos problemas de transmissão dos conceitos japoneses está na má interpretação e no desconhecimento do contexto onde estes conceitos foram gerados.

Então... seguindo no assunto "conceitos sobre os quais muita gente fala... mas que pouca gente entende, de fato"... hoje vamos de Shingitai!

Como sempre, vamos entender a expressão japonesa e só depois tecer os devidos comentários.

Esta expressão é composta por três ideogramas: 

心 SHIN [しん] (xin): Coração, mente, espírito, alma, ânimo, intenção;
技 GI [ぎ] (gui): Técnica(s), habilidade(s), destreza(s);
体 TAI [たい] (tái): Corpo, condicionamento físico, manutenção física.

Antigamente, o treino era feito de tal forma que a importância dada a cada área era 60%, 30% e 10% respectivamente, dando atenção ao treino do “espírito” em primeiro lugar, depois às técnicas e, por fim, ao condicionamento físico... A disposição dos kanji que compõem o termo (1=Shin, 2=Gi e 3=Tai), por si só, já deixa clara a ordem das ideias expressas pelos ideogramas.

Naturalmente, dependendo do mestre ou do dōjō a proporção entre estas características poderia variar um pouco, porém a ordem de importância não mudava, (1=Shin, 2=Gi e 3=Tai), o “espírito” era sempre o ponto mais importante a ser desenvolvido, seguido pelo o aspecto técnico e físico, respectivamente. 

É simples entender sobre o que se fala quando o tema são a “técnica” e o “condicionamento físico”, porém as coisas ficam bastante complicadas quando se entra no terreno do “espírito”.

E por que complica quando o assunto é esse? Porque quando se fala em “espírito” em nível marcial ocidental, salvo em raros casos, não se tem a mínima ideia de sobre o que se está falando... o mais comum é ver o tema jogado para a “transcendência”, ou ainda, a repetição de senso comum.

Vejamos o sentido do termo "espírito" no ocidente:
“A palavra “espírito” vem do latim “spirĭtus”. “Spirĭtus”, por sua vez, corresponde à palavra grega “pneuma” e que significa sopro, vento, respiração, exalação, odor, espírito, aspiração. A palavra grega pneuma, por sua vez, é equivalente a palavra hebraica “ruah” que designa em seu sentido genérico respiração e, em seu sentido específico hálito, alento vital, alma, espírito, sopro. “Spirĭtus” que também serve, no contexto teológico, para designar a vida enquanto princípio pensante [...].” (http://www.aquinate.net/)
Analisemos os conceitos no oriente:

心  SHIN しん] (xin) - Coração, mente, espírito, alma, ânimo, intenção.
“Shin é uma palavra que tem uma variedade de significados, dependendo do contexto. Conceito muito ambíguo, abstrato, ação mental humana ou de (criaturas), emoção, vontade, conhecimento, compaixão, etc... Shin passou a significar o que você não pode ver. [...].” (https://ja.wikipedia.org/wiki/%E5%BF%83)
Muitas vezes o conceito Shin é confundido com outro semelhante, Seishin:

精神 SEISHIN [せいしん] (ssêxin) - Coração, mente, espírito, alma, ânimo, intenção.
“Seishin tem sido utilizado, muitas vezes, com o sentido igual, aos termos: Pneuma (grego), Spirĭtus (latim), Spirit (inglês), Esprit (francês), Geist (alemão). [...]” (https://ja.wikipedia.org/wiki/%E7%B2%BE%E7%A5%9E)
De fato, ambos os conceitos possuem algumas traduções em comum, porém “Shinestá ligado, através da ideia que transmite, a ação mental... a vontade... ao conhecimento. Enquanto, “Seishinestá mais próximo a mentalidade ocidental, aonde é usado para tentar explicar a parte imaterial do ser humano.

O problema dos ocidentais é que além de desconhecer contextos (e nem procurar conhecer)... também desconhecem (em sua grande maioria) a língua japonesa. Isso é algo compreensível, porém menos compreensível é querer explicar, dentro de suas crenças, coisas distintas como sendo a mesma coisa. Quando vemos as palavras "Shin" e "Seishin" romanizadas, de fato, até parecem possuir alguma relação... afinal de contas o "Shin" está lá, em ambas... o mesmo acontece, por aqui, com muitos outros termos utilizados nas artes marciais de origem oriental. A coisa muda de figura (de contexto e significado) quando os kanji, (Shin) e 精神 (Seishin), são apresentados, pois até crianças são capazes de identificar que se tratam de palavras distintas.

Sendo assim, a forma com que o aspecto Shin nos é mostrado (geralmente fora de contexto e como se de "Seishin" se tratasse) faz, de fato, com que façamos muitas confusões e tenhamos muitas reticências a respeito de sua utilidade e, até mesmo, de sua existência.
"[...] O “contexto” é capaz de explicar praticamente tudo a respeito das artes marciais japonesas, desde que entendido corretamente [...]. Sendo assim, em primeiro lugar, é necessário “posicionar” o assunto no contexto correto!  
[...] Falar sobre “espírito” ou “espiritualidade” implica saber “onde” e “como” esta “espiritualidade” está inserida (e) quando da sua utilização (nas) artes marciais. 
Então, vamos a uma pergunta fundamental e crucial: “O que é o ‘espírito’ dentro do contexto marcial?”  
O “espírito marcial” a que se refere a expressão Shingitai [...] é visível nas palavras dos mestres antigos:  
“Mesmo que Buda e os Deuses sejam importantes, não dependa das suas providências.” (Musashi Miyamoto - "Os 21 preceitos do Dokkōdō.")  
“A vitória será verdadeira, justa ou correta na medida em que for sobre nós mesmos e todos os dias temos a chance de alcançá-la.” (Morihei Ueshiba - Fundador do Aikidō.) 
“Se alguém se esforçar (realmente), atingirá os seus objetivos.” (Jigorō Kanō - Fundador do Jūdō.)  
Por Shin, "espírito", entenda-se a seguinte expressão: “Só pare de lutar depois de morto!” 
[...] O “espírito marcial” [...] é a nossa determinação, é a nossa vontade, o nosso empenho particular [...].  
[...] Portanto, [...] o “espírito” [...] é apenas a expressão do nosso esforço diário, dentro ou fora do dōjō, ajudando-nos a levantar a cada queda, com determinação e empenho, tornando-nos mais fortes a cada dia, independente da idade, do sexo, da constituição física ou do grau técnico [...]. 
O que comprova que o treino do “espírito” (aquilo que nos faz avançar e a superar as nossas próprias dificuldades) é «ou deveria ser», realmente, o ponto mais importante a ser trabalhado.  
[...] É justamente a respeito do “espírito marcial”, do “espírito de guerreiro” que faz referência a expressão Shingitai... 
Quando autores ocidentais abordam o assunto Shingitai, frequentemente o ideograma Shin “espírito” remete [...] as “forças invisíveis”. [...] Como este pensamento [...] exige uma justificativa para a qual não há qualquer fundamentação efetiva que o conecte diretamente com as artes marciais, os disparates começam a surgir [...]." (GOULART, 2011)
No entanto, fica aqui um alerta... quando falo que o condicionamento é cerca de 10% e que a técnica é 30% do total do que concebemos como arte marcial, não estou, de forma alguma, dizendo que o condicionamento físico e o treino técnico devam ser negligenciados... ao contrário... devem ser praticados de forma correta, periodicamente e de forma disciplinada se quisermos obter sucesso... caso contrário se está fadado ao fracasso. Contudo, negligenciar o espírito também não ajudará em nada na conquista de resultados (sejam eles quais forem).

Colocarei as coisas nos seguintes termos... para que não fique nenhuma dúvida...

O condicionamento físico é muito importante... a técnica é muito, muito importante e o espírito é muitíssimo importante... sendo assim nenhum dos elementos deve ser negligenciado.

Denis Andretta, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

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Referências:

BERNARDO, Alexandre Pinheiro; at al. História da Educação Física: Karatedō. Rede Metodista de Educação do Sul (IPA). Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2007.

CLARKE, Michael. Martial Arts: Defining Martial Concepts - Shin Gi Tai - Karate Training for Body, Mind, and Spirit. Fighting Arts. Disponível em: http://www.fightingarts.com/reading/article.php?id=694. Acesso em: 16 de Setembro de 2013.

ENKAMP, Jesse. Shin-Gi-Tai: The Definition of a True Sensei. Karate Nerd. Disponível em: http://www.karatebyjesse.com/shin-gi-tai-the-definition-of-a-true-sensei/. Acesso em: 7 de Janeiro de 2012.

FAITANIN, Paulo. Alma: etimologia, sentido, significado e referência! ISSN 1808-5733. Disponível: http://www.aquinate.net/. Acesso em: 6 de Fevereiro de 2016.

GOULART, Joséverson. As fases do conhecimento. Jōji Monogatari. Disponível em: http://jojimonogatari.blogspot.com. Acesso em: 27 de Novembro de 2011.

GOULART, Joséverson. FAQ: 01. O que significa Shingitai 心技体? Jōji Monogatari. Disponível em: http://jojimonogatari.blogspot.com. Acesso em: 27 de Novembro de 2011.

GOULART, Joséverson. O “Shin” de “Shin-Gi-Tai”. Jōji Monogatari. Disponível em: http://jojimonogatari.blogspot.com. Acesso em: 27 de Novembro de 2011.

GOULART, Joséverson. Shin-Gi-Tai. Disponível em: http://judoforum.com/blog/joseverson/index.php. Acesso em 20 de Novembro de 2006.

GOULART, Joséverson. Shin-Gi-Tai. Disponível em: http://groups.google.com/group/andretta-no-kenkyushitsu/. Acesso em: 2 de Fevereiro de 2011.

J-TALK NIHONGO. Japanese Dictionary: Termos diversos. Disponível em: http://nihongo.j-talk.com/search/index.php. Acesso em: ‎22‎ de ‎Outubro‎ de ‎2011.

J-TALK NIHONGO. Kanji Converte: Kanji Diversos. Disponível em: http://nihongo.j-talk.com/. Acesso em: ‎22‎ de ‎Outubro‎ de ‎2011.

MARINHEIRO, Carlos Marinheiro. A etimologia de espírito. Ciber Dúvidas da Língua Portuguesa. Disponível em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/. Acesso em: 6 de Fevereiro de 2016.

ROMAJI.ORG. Rōmaji Translator (Translate japanese text (Kanji,Hiragana,Katakana) into Rōmaji or Hiragana). Disponível em: <http://www.romaji.org/>. Acesso em: 1 de Abril de 2009.

ZIMERMAN, David E. Etimologia de Termos Psicanalíticos. Porto Alegre, Editora Artmed, 2012. 

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