terça-feira, 25 de junho de 2024

Conversando sobre artes marciais japonesas - Parte 13

Onegaishimasu! 

(^_^) 


Já sabemos que o dōjō é o Lugar [onde se aprende, se pratica e se ensina] o Caminho”, é o “Lugar [onde se aprende, se pratica e se ensina] a Via... 

E também já vimos que, em nosso caso, este “Caminho”, esta "Via", específica é o próprio Karate... ou seja, um “caminho” “sem qualquer vínculo com significados transcendentes, místicos ou sobrenaturais”, um "modo de vida", um “caminho” que prepara “as pessoas para todos os aspectos da vida social” através da disciplina, do respeito e da harmonia. 

A partir de hoje falarei sobre as “personagens” do dōjō... o sensei, o senpai e o kōhai... 

Hoje, especificamente, veremos o termo “sensei”. 

Como sempre... primeiro vamos ao literal: 

Kanji: 先生 
Romaji: Sensei 
Hiragana: せんせい 
Tradução: “nascer antes”, “viver primeiro”. 
Leitura: “sênsêê”. 

Embora a palavra sensei, de forma muito genérica, possa ser traduzida como "professor" (tradução, aliás, amplamente divulgada), o termo é escrito originalmente com dois ideogramas: 
  • 先 SEN [せん] (ssên): "Antes de", "primeiro que", "anterior";
  • 生 SEI [せい] (ssêi): "Nascer", "viver". 
Assim sendo, a tradução literal deste termo pode ser interpretada como (aquele que) "nasceu antes". No entanto, quando trazemos a palavra para o mundo das artes marciais japonesas o entendimento passa a ser "aquele que começou antes".

Dentro de um ambiente controlado ou fechado como um dōjō em particular podemos, com certeza, definir "quem começou antes", quer seja por graduação ou por conhecimento pessoal, e assim, facilmente determinar quem é o "sensei".

No entanto, quando alguém coloca a palavra "sensei" antes/depois do seu próprio nome, ou ainda refere-se a si mesmo como "sensei", isso caracteriza uma falta de humildade incompatível com as artes marciais orientais.

No Japão, o termo sensei é utilizado não somente para designar professores, mas também médicos, advogados ou quaisquer outras figuras cuja característica essencial seja a autoridade.

O termo sensei, de fato, não apresenta aquela "mística" ou "transcendência" impostas por algumas pessoas que não sabem realmente a que este termo se refere.

Outro fato curioso é que em filmes e publicações no ocidente é comum encontrarmos o termo sensei escrito de muitas formas: “sansei”, “sensey”, “senshei”, etc... aqui fica clara a falta de um conhecimento efetivo sobre a língua japonesa, pois nos processos de romanização dos ideogramas e caracteres japoneses (passagem de símbolos japoneses para as letras do nosso alfabeto) esta palavra é sempre escrita como sensei. Aliás, a transcrição errada dos termos japoneses é um dos erros mais comuns em trabalhos, de todos os níveis, por aqui.

Quando se fala japonês, a pronúncia de determinados ditongos (encontros vocálicos, neste caso o “ei” final) muda ligeiramente. Este é o caso da palavra sensei que quando “falada” pronuncia-se “sênsêê”.

Infelizmente a maioria das pessoas acomoda-se às informações transmitidas de forma errada e as assume como corretas... isso é um erro grosseiro, pois questionar é a base da aprendizagem: ou sabemos ou não sabemos. O que não podemos fazer é escondermo-nos atrás de "verdades absolutas" para encobrir a nossa ignorância. 

É minha opinião, que todos os instrutores, os "sensei" são obrigados a pesquisar e saber o que ensinam... copiar e imitar é normal nos primeiros passos de qualquer arte, mas saber realmente, repito, é obrigação daqueles mais “avançados”, daqueles que ensinam.

Fica aqui uma reflexão...

Treina para si? Sem problemas em não pesquisar... ignorância a nível pessoal é uma questão de escolha. Leciona? Tua ignorância irá influenciar a todos aqueles que estiverem sob tua tutela... já não é mais algo pessoal, mas a disseminação da tua negligência. 

Desde a primeira postagem “Conversando sobre artes marciais japonesas” tenho defendido a pesquisa no meio marcial e tentado mostrar que se não entendemos alguma coisa, devemos pesquisar e procurar as respostas. 

Simples assim! 

Lembrem-se de que “não saber não é vergonha, vergonha é contentarmo-nos com o pouco que sabemos”

Para encerrar esta postagem... o termo sensei, definitivamente, não é um título e não tem absolutamente nada a ver com a cor da faixa. Aliás, muito ao contrário do senso comum, a faixa preta não dá a ninguém a capacidade para lecionar. 

Ser um sensei é uma tarefa extremamente árdua, pois exige dominar um vocabulário enorme, conhecer conceitos técnicos e filosóficos, tirar dúvidas dos alunos, ter responsabilidade, ter experiência sólida e respeito pelo conhecimento próprio e daqueles sob as suas orientações, ter conhecimento e compreensão da prática e da teoria sobre a vida e sobre as artes marciais respectivamente.

Enfim... ser sensei é uma tarefa complexa e difícil...

Denis Andretta, Porto Alegre, Rio Grande do Sul

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Referências:

GOULART, Joséverson. Relação Senpai/Kōhai. Disponível em Andretta No Kenkyūshitsu: <http://groups.msn.com/andrettakenkyushitsu/>. Acesso em: 04 de Setembro de 2008. 

GOULART, Joséverson. O termo Senpai. Disponível em Andretta No Kenkyūshitsu: <http://groups.msn.com/andrettakenkyushitsu/>. Acesso em: 13 de Setembro de 2008. 

GOULART, Joséverson. Senpai, Mudansha, Yūdansha, Seiza. Disponível em Joséverson no kenkyūshitsu: <http://judoforum.com/blog/joseverson>. Acesso em: 20 de Novembro de 2006. 

GOULART, Joséverson. Sensei. Disponível em: http://judoforum.com/blog/joseverson/index.php. Acesso em 20 de Novembro de 2006. 

terça-feira, 11 de junho de 2024

Conversando sobre artes marciais japonesas - Parte 12

Onegaishimasu,

(^_^)

Falarei hoje sobre o local de treinamento e suas partes.

O nome da sala usada para o treinamento das artes marciais japonesas é chamada de dōjō.

Traduzindo literalmente os ideogramas que formam a palavra dōjō temos:
  • 道 DŌ [どう] (dô): caminho, via;
  • 場 JŌ [じょう] (djô): localização, lugar. 
Traduções literais possíveis:
  • “Caminho” + “Lugar”;
  • “Via” + “Lugar”.
Saindo do literal, mas mantendo a ideia do termo dōjō temos:
  • “Lugar [onde se pratica o] Caminho”;
  • “Lugar [onde se aprende o] Caminho”;
  • “Lugar [onde se ensina o] Caminho”.
Ou ainda:
  • “Lugar [onde se pratica a] Via”;
  • “Lugar [onde se aprende a] Via”;
  • “Lugar [onde se ensina a] Via”.
Quando procuramos o significado de dōjō, nas mais diversas fontes de pesquisas, a informação que com mais frequência encontramos é que 
“O termo foi emprestado do “Zen Budismo”, significando “lugar de iluminação”, onde os monges praticam a meditação, a concentração, a respiração, os exercícios físicos e outros mais.” (Diversos Sites Internet)
Esta explicação encontra-se em diversos Sites da Internet, muitos mesmo... enfim uma série de “copiar e colar” sem fim... Sendo assim, e na quase total ausência de uma explicação plausível, faz-se necessária aqui uma pequena abordagem sobre esta questão, afim de compreender aonde surge esta ideia e também para analisar se o sentido original da palavra está vinculado ao Karatedō[1]... ou não...

A palavra dōjō origina-se do sânscrito “Bodhimanda”, palavra que, por sua vez, é o nome dado ao lugar onde, Siddhārtha Gautama, o Buddha, alcançou a iluminação, e por isso inicialmente indicava um ‘lugar de’ prática budista.

Contudo, no Japão, por volta da Era Edo[2] (1603-1868), o termo deixou de designar apenas um ‘lugar de’ prática budista e passou também a indicar um ‘lugar de’ prática de artes marciais, entre outras coisas.

Temos, então, que ter o extremo cuidado para não nos perdermos em divagações, pois embora devido a sua origem o termo dōjō esteja vinculado a “um lugar de prática budista” e que ideia original, de fato, indique o “lugar da iluminação” (de Siddhārtha Gautama, o Buddha) em nosso caso específico este lugar (Jō) e este caminho (Dō), da palavra dōjō, apontam pura e simplesmente para um ‘lugar de’ prática do 'caminho', ou seja, nada mais é que um espaço físico, uma sala, um salão, onde se enfatiza a prática do Karate[3].

A estrutura física de um dōjō está dividido em:


上座 KAMIZA [かみざ] (cámidzá): "Assento superior";
下座 SHIMOZA [しもざ] (ximôdzá): "Assento inferior";
上席 JŌSEKI [じょうせき] (djôssêqui): "Lugar superior";
下席 SHIMOZEKI [しもぜき] (ximôdzêqui): "Lugar inferior".

A tradução do nome de cada uma das partes do dōjō praticamente define a sua função, porém para que não fique nenhuma dúvida... façamos uma pequena descrição de cada uma das partes...

O assento superior, ou kamiza, é o lugar onde se sentam o professor e seus convidados. Talvez não seja do conhecimento geral que a expressão kamiza, dentro do contexto marcial, se deve ao fato de que antigamente, nos dōjō, a parte da sala onde o mestre sentava, ficava um pouco mais elevada (estruturalmente falando) do que a sala em si, daí o termo “assento superior” (kamiza).

O assento inferior, ou shimoza, é o lugar onde os alunos sentam-se. O aluno mais graduado senta-se mais à esquerda do professor. O aluno menos graduado senta-se mais à direita do professor. Lembre-se que o professor fica de frente para turma, então as direções, direita e esquerda, mencionadas devem ser consideradas a partir desta perspectiva.

O lugar superior, ou jōseki, é o local destinado aos "professor(es) auxiliar(es)" ou, ainda para algum aluno selecionado para ajudar a demonstrar alguma técnica com o professor.

O lugar inferior, ou shimozeki, está destinado aos alunos menos graduados, e somente é usado quando não houver mais espaço no shimoza.


Em nossos dias, vemos por aí as mais diversas formações para o início das aulas. Muitas vezes a disposição dos alunos é feita de forma totalmente ilógica, como, por exemplo, quando se coloca o aluno mais graduado no lugar inferior, demonstrando claramente o desconhecimento das partes que compõem o dōjō e de suas funções.

De forma simples, e sem grande ginástica mental, praticantes com graduações superiores ficam no lugar superior (jōseki) e alunos com graduações inferiores ficam no lugar inferior (shimozeki).
“Há muito tempo atrás o mestre Aragão de Lisboa, Portugal, disse algo que faz todo o sentido: "Em Karatedō não há enganos: ou é ou não é, ou se sabe ou não se sabe." 
Tudo que se faz em Karatedō tem a sua razão de ser e, nesta mesma linha de pensamento, tudo também tem a sua explicação lógica. Contudo, muitas vezes a informação a respeito de algumas dúvidas específicas a respeito do Karatedō não se encontra acessível imediatamente, mas isso não quer dizer que a informação ou a resposta para estas dúvidas não existam.” (GOULART, 2006; 2011)
Na língua japonesa, nihongo[4], existem muitas palavras que possuem a mesma pronúncia, porém com traduções completamente diferentes. Por que estou dizendo isso? Porque quando se estuda as partes do dōjō se depara com um destes casos, que é a palavra “kamiza”.

Há dois grupos de kanji[5] que podem ser lidos “kamiza” e que tem causado muita confusão em nível de transmissão de conhecimento, são eles: 

上座 KAMIZA [かみざ] (cámidzá): "Assento superior"; e
神座 KAMIZA [かみざ] (cámidzá): "Local dos deuses". 

Fazendo uma pequena busca por informações sobre o termo “kamiza” na Internet verifiquei rapidamente que a maioria esmagadora das pessoas que tratam sobre tema, desconhecem os ideogramas e a tradução “assento superior” e, por isso, levam (ou elevam) suas teorias para o campo da mística, do divino, da transcendência... Sendo assim, e embora a palavra kamiza, dependendo dos ideogramas empregados, possa ser traduzida, de fato, como “Local dos deuses”, não é este o caso nas artes marciais...
“A base para a difusão do "misticismo" e "transcendência" no mundo marcial reside na falta de pesquisa, pois é muito mais fácil inventar uma "resposta" do que dizer "não sei, mas vou pesquisar". Pesquisar, estudar implica "trabalho" e todo o ser humano tende a usar a "lei do menor esforço". Esta “lei” não é um fenômeno recente e definitivamente não vai acabar por aqui, contudo, é necessário que saibamos sobre o que estamos falando antes de afirmar coisas que não têm qualquer fundamento.” (GOULART, 2011)
Resumindo e esclarecendo... pronúncia igual, mas ideogramas e significados diferentes... um relacionado a prática do Karatedō e o outro não. Na realidade, o termo 神座, “Local dos deuses”, tem relação com a religião Xintoísta (神道, o Shintō... "A via dos deuses").

A falta de conhecimento sobre o nihongo, os kanji e os kana[6]... sempre levou, leva e levará os desprevenidos a erros de contexto e equívocos de interpretação. É justamente devido a este problema que é “normal” vermos instrutores, professores e mestres confundindo muitos conceitos (seja por desconhecimento, acomodação ou falta de estudo mesmo) e passando a seus alunos informações equivocadas sobre muitos dos termos japoneses utilizados no Karatedō.
“No mundo das artes marciais japonesas praticadas no ocidente, a quantidade de termos japoneses utilizada é impressionante. Adicione a este fato a falta de pesquisa e têm-se alguns conceitos, traduções e interpretações erradas sendo passadas de geração em geração. 
(...) Um problema muito comum quando ocidentais vão escrever livros sobre artes marciais, como não têm conhecimento sobre ideogramas, pegam a primeira tradução que aparece e pronto, lá está uma nova tradução em uma nova publicação. 
Portanto, depende unicamente de si, instrutor de artes marciais japonesas, ensinar, orientar e instruir os seus alunos com base na sua pesquisa, na apresentação de informações fidedignas e na sua própria vivência particular. 
Não é vergonha não saber; vergonha é criar mitos, falsas expectativas, interpretações particulares de determinados fatos culturais ou históricos para mascarar a falta de conhecimento efetivo. (...) Vergonha é contentarmo-nos com o pouco que sabemos.” (GOULART, 2011)
Então, para que o dōjō seja, de fato, o “Lugar [onde se ensina o] Caminho”, no caso específico dos Karate-ka, o “Lugar [onde se ensina o] Caminho” do Karate... Temos que encará-lo com um “Lugar [onde se pratica e se aprende o] Caminho” de forma séria e correta... 

Comecemos pelo básico que é a "pesquisa (e a) apresentação de informações fidedignas".

Denis Andretta, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
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Referências:

AGUIAR, José. Karatê Shito-ryu. Os grandes mestres, os katas, entrevistas. Edição do autor, São Paulo, 2008. 1ª edição.

ARAKAKI, Hélio. Atitude Karateka para a vida. O Karate-dô no Caminho para o sucesso e a realização. Graficolor Miti/Grafiqx, Campo Grande/MS, 2009.

BERNARDO, Alexandre Pinheiro; at al. História da Educação Física: Karatedō. Rede Metodista de Educação do Sul (IPA). Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2007.

GOULART, Joséverson. Dōjō. Disponível em: http://judoforum.com/blog/joseverson/index.php. Acesso em 20 de Novembro de 2006.

GOULART, Joséverson. Karatedō Nyūmon: Introdução ao Caminho das Mãos Vazias. Disponível em: http://judoforum.com/blog/joseverson/index.php. Acesso em 20 de Novembro de 2006.

GOULART, Joséverson. As fases do conhecimento. Jōji Monogatari. Disponível em: http://jojimonogatari.blogspot.com. Acesso em: 27 de Novembro de 2011.

GOULART, Joséverson. 26. 道場 O Dōjō. Jōji Monogatari. Disponível em: http://jojimonogatari.blogspot.com. Acesso em: 27 de Novembro de 2011.

GOULART, Joséverson. Dōjō. Disponível em: http://groups.google.com/group/andretta-no-kenkyushitsu/. Acesso em: 2 de Fevereiro de 2011.

HERRIGEL, Eugen; A arte cavalheiresca do arqueiro Zen. Editora Pensamento, São Paulo, Edição 23, 2009.

J-TALK NIHONGO. Japanese Dictionary: Termos diversos. Disponível em: http://nihongo.j-talk.com/search/index.php. Acesso em: ‎22‎ de ‎Outubro‎ de ‎2011.

J-TALK NIHONGO. Kanji Converte: Kanji Diversos. Disponível em: http://nihongo.j-talk.com/. Acesso em: ‎22‎ de ‎Outubro‎ de ‎2011.

REID, Howard; CROUCHER, Michael. O Caminho do Guerreiro. O paradoxo das artes marciais. Editora Cultrix, São Paulo, 2004.

ROMAJI.ORG. Rōmaji Translator (Translate japanese text (Kanji,Hiragana,Katakana) into Rōmaji or Hiragana). Disponível em: . Acesso em: 1 de Abril de 2009.

SOARES, José Grácio Gomes. Budo no jiten. Dicionário de Artes Marciais Japonesas. Icone Editora, São Paulo, 2007.

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Notas:

[1] Karatedō [空手道] – Via, Caminho das Mãos Vazias. 
[2] Edo-jidai [江戸時代] – Era Edo, também conhecido como Tokugawa-jidai (Era Tokugawa), é um período da história do Japão que foi governado pelos Shōgun (Generais) da família Tokugawa, desde 24 de Março de 1603 até 3 de Maio de 1868.
[3] Karate [空手] – Mãos Vazias. 
[4] Nihongo [日本語] – Língua japonesa. 
[5] Kanji [漢字] – Caracteres chineses. 
[6] Kana [仮名] – Escrita silábica japonesa.