■ Filosofia do Karatê-dō Shitō-ryū
A principal característica do Shitō-ryū está na pesquisa minuciosa dos kata, que são considerados o alicerce da arte. Suas técnicas são analisadas de forma prática e teórica, desenvolvendo-se os bunkai kumite (aplicações dos kata) para compreender profundamente o sentido dos movimentos.
O estilo evita o uso de força desnecessária e movimentos exagerados; assim, seus kata não são chamativos, mas expressam eficácia, racionalidade e vitalidade, revelando uma forma viva e consciente da técnica.
Além da instrução técnica, o fundador deu grande ênfase à educação moral e espiritual, promovendo o ideal do “Punho do Homem Virtuoso” (君子の拳 – Kunshi no Ken), orientando os praticantes à formação e ao aperfeiçoamento de um caráter equilibrado e íntegro.
Embora hoje existam muitas ramificações do Shitō-ryū, a Shitō-kai reúne e preserva a linhagem principal, esforçando-se pela difusão e desenvolvimento autêntico do estilo.
■ “O Punho do Homem Virtuoso” (君子の拳)
Mabuni Kenwa Sensei compreendia que as antigas artes de combate desarmado, secretamente transmitidas nas Ilhas Ryūkyū, não deveriam ser meros métodos de luta, mas meios de aperfeiçoamento do corpo e da mente, cultivando a dignidade do homem virtuoso (kunshi).
Assim, o Karate-dō Shitō-ryū adota o lema “O Punho do Homem Virtuoso”, buscando não apenas o domínio técnico, mas também o refinamento moral e espiritual do praticante.
A lição de “Kunshi no Ken” é uma máxima que nenhum estudante de Karate-dō deve esquecer, pois ela expressa o verdadeiro propósito da arte.
Conduta do Praticante
■ Princípios para o Estudante
O treinamento de Karate-dō deve ser realizado sempre com seriedade, seja sob a orientação do mestre, junto aos companheiros, ou mesmo sozinho.
Os kata devem ser praticados como se se enfrentasse um inimigo real.
Um treino sem concentração e vigor tende a se tornar mero jogo, e, mesmo após anos de prática, não trará progresso nem forjará corpo e mente.
Dessa forma, na hora de uma situação real, o corpo não responderá e ocorrerá um erro fatal.
Portanto, a diferença entre treinar com espírito ou sem espírito torna-se evidente com o passar do tempo.
Durante o treino, mantenha os ombros relaxados, o peito aberto, concentre a força no tanden (abdômen inferior), olhe firme à frente, recolha o queixo e tensione levemente a nuca.
Ao desferir um soco, pratique como se cada golpe fosse capaz de decidir o combate com um único impacto (ikken hissatsu).
Assim, naturalmente, corpo e mente serão educados.
O praticante deve abster-se rigorosamente de excessos, especialmente de bebida e luxúria.
Embriagar-se e agitar os punhos, ou treinar de forma desleixada, ou ainda cair em fraqueza moral — todas são atitudes indignas do verdadeiro caminho do Karate.
Por essência, o Karate-dō não é uma arte de ataque.
Quem pratica os kata percebe que o movimento defensivo sempre precede o ofensivo.
Mesmo dominando o poder de ataque, o objetivo é defender-se e controlar.
O espírito do Karate-dō deve se refletir também na vida cotidiana: possuir força interior, mas ser humilde diante dos outros.
Desejo que cada praticante cultive este sentimento.
Assim como o Kendō não é a arte de cortar os outros, mas de cortar os próprios desejos, o Karate-dō é um método para controlar o ego e cultivar a humildade.
Agitar os punhos ou chutar para intimidar ou provocar jamais foi o verdadeiro propósito do Karate-dō.
É comum ver praticantes exibindo-se ao quebrar telhas ou tábuas para demonstrar força; contudo, esse tipo de ostentação não representa o verdadeiro nível do Karate-dō.
Embora o endurecimento dos punhos seja importante, usá-lo para assustar ou oprimir os outros é contrário ao espírito da arte.
As artes marciais têm por essência o aperfeiçoamento do corpo e da mente e a formação do caráter.
Certa vez, um mestre disse:
“Nada é mais desagradável do que um artista marcial que faz pose de guerreiro.”
Entre os muitos discípulos, quase nenhum dos que se vangloriavam por quebrar objetos em público alcançou real progresso.
Esses indivíduos também são descuidados na prática dos kata.
A força física é importante, mas o estudo dos kata é ainda mais essencial.
Antigamente, o ensino e o aprendizado do Karate-dō eram feitos em sigilo, e os praticantes evitavam aparecer em público, preservando-se com modéstia.
Mesmo nos dias atuais, em que tudo é aberto, essa atitude de moderação continua necessária.
Quanto aos cuidados físicos:
- Antes de treinar, vá ao banheiro — um detalhe pequeno, mas essencial para quem segue o caminho do guerreiro.
- Mantenha as unhas curtas, pois unhas longas podem causar ferimentos a si mesmo ou aos parceiros.
O mais importante de tudo, contudo, é o estado mental.
A quebra de telhas, frequentemente mencionada, não é nada de misterioso: é apenas resultado do treino diário e da força espiritual.
Golpear materiais mais duros que a mão humana exige apenas determinação e prática constante.
Mesmo em uma era científica, estudar esses fenômenos não é sem valor.
Acredito que entre vocês existam muitos que compreendem e pesquisam sinceramente o verdadeiro espírito do Karate-dō.
Em minha terra natal, há muito tempo, chamava-se o praticante de Karate-dō de “Kunshi” — Homem Virtuoso.
Esse título é equivalente a “samurai” ou “cavalheiro” — isto é, um homem de caráter justo e íntegro.
Em tempos de degradação moral, espero sinceramente que surjam muitos que possam ser chamados de homens virtuosos.
Trecho extraído de:
『攻防自在護身術空手拳法』(Kōbō Jizai Goshinjutsu Karate Kenpō)
Autor: Mabuni Kenwa
Publicado em março de 1934 (Showa 9)
(Alguns trechos foram adaptados para o japonês moderno no original citado)
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